quarta-feira, 22 de agosto de 2018

aparências




Certa vez, ainda bem criança, brincava de cantora com minha prima. Colocamos o disco da Rita Lee e usamos a escova de cabelo como microfone. Dublávamos, revezando cada uma com  a sua performance. Até que a minha prima usou a escova para pentear seus cabelos. Enfureci, aquilo não era uma escova de cabelos; não naquela hora. Não era e nunca poderia ser. Acabou a brincadeira, acabou a magia  com aquela atitude de um utilitarismo pragmático que por um lapso a obrigou lembrar a função objetifica.
Aquela mente resistira ao onírico, e um tom de domínio sobre a realidade, ou melhor, a ilusão deste a tomou num ímpeto. Eu já não podia mais tolerar aquele ato infame, a blasfêmia simbólica.  Eu a escrachei, dizendo  que ninguém em sã consciência escova cabelos com um microfone, e ela deveria entender isso. Mas eu já estava exausta, aquilo desencadearia muitas outras coisas. Questões sobre a  vida viriam mais tarde, inevitável; sempre se materializando em cenas, objetificações e pessoas; mas eu sempre soube que nada era o que aparentava, que, o que era não era, o visível solicitava o invisível, o dizível o indizível... , a matéria não passaria de um recurso para a abstração. É difícil dar nome a abstrações, mas é bem possível senti-las e sofre-las, se alegrar e se iludir pra depois desiludir. Esse é o caminho da abstração que se desenha com objetos, ruas, pessoas, linhas diversas, para qualquer mentalidade disposta a compreender as conexões oscilantes da existência.
 Uma Vênus nunca era uma mulher nua reclinada sobre a chaise, ela sempre queria dizer beleza, harmonia, equilíbrio; uma Diana queria dizer boa sorte; um cão, fidelidade;  e porque não uma luz, uma vontade; um homem bonito e criado no sol, um ego ferido; um cachimbo, uma personalidade; uma escova de cabelo, um microfone?
Ate hoje, como num um sonho, as coisas, pra mim, se fazem além das aparências.




quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

           Costumava, eu saltar do cais para o mar para O encontrar na água. Ele sempre chegava com uma especie de boia, para meu conforto e descanso. Conversávamos como habitualmente e Ele me chamou para dar um mergulho e apreciar alguns corais e peixes. Começávamos a nadar e fui deixar a boia numa pequena ilha de rochas, aquela estava me fazendo perder velocidade. Seguimos nadando até uma pequena enseada. Ele soprou em minha boca para que eu conseguisse respirar debaixo da água. Era maravilhoso! Ficamos observando a variedade de formas e cores daqueles animais e eu realmente estava respirando debaixo da água. Era realmente incrível!
Por um momento, me distrai da paisagem marinha e me atentei para a minha respiração, me peguei pensando até quando eu ia ter aquele ar disponível que me mantinha submersa. Comecei a me preocupar se aquele ar cessasse. Esses pensamentos me tomaram  e eu tive medo. Comecei a me sentir insegura, como se fosse acabar a qualquer momento e realmente me senti um pouco tonta. Nadei rapidamente ate a superfície tentando reter o máximo de oxigênio nos pulmões e soltando com economia até que alcançasse a superfície. Cheguei ofegante e em seguida aparece Ele e pergunta: - O que houve?
-Meu ar acabou, respondi.
- Hum.... seu ar acabou, por que?
- Não sei; comecei a pensar se eu teria o suficiente pra permanecer, aí de repente comecei a perdê-lo, acho que já estava na reserva, por isso subi antes que acabasse para me garantir. Pois eu não sabia a quantidade desse ar mágico que você inalou em mim e quanto tempo duraria.
- Filha, a duração deste ar que soprei em você é a quantidade da sua fé. Se você não se preocupasse ainda estaria respirando debaixo d'água e assim poderia permanecer eternamente, pois eu sou eterno.

 

terça-feira, 9 de maio de 2017

Pago





Minha trajetória artística começou no curso de Artes Plásticas da Escola Guignard/ UEMG.
Especializei-me em fotografia e pintura, embora meu trabalho se estenda por outras técnicas. Meu ponto focal na fotografia é a figura humana, trabalho com modelo vivo e tenho investido nas suas expressões porque dão movimento às imagens num sentido dramático, precipitando a força da mensagem. Percebo ser muito natural para quem faz Arte Contemporânea a dificuldade de conseguir expressar, quase que integralmente, o que se idealiza para determinada obra, de forma que o espectador capte uma percentagem, considerável do pensamento fundamental do artista. Na maioria das vezes em que visito exposições de Arte Contemporânea, a essência da obra só viria depois que eu lia algo sobre ela, ou se eu já conhecia algum ponto da trajetória do artista. Concordo que a arte deve ser uma ponte entre o pensamento do artista e a leitura do espectador, mas creio que deve haver um equilíbrio entre as expectativas: artista – espectador, já que muitas vezes a linguagem conceitual do artista se dilui somente lhe restando as suas cruas formas, que para a arte pós-conceitual já não é o suficiente. Esse é o maior desafio, proporcionar um equilíbrio entre a minha visão e a de quem vê meu trabalho. O equilíbrio é o desafio da Arte da pós-modernidade, onde é muito fácil a ideia principal do artista se perder num turbilhão de informações imediatas num tempo de escassa assimilação, mistura e superficialidade que nossa cultura atual nos leva.
. Encontro no meio de arquivos antigos este trabalho que foi feito em 2008,  são retratos,  onde carimbei a testa de algumas pessoas com um carimbo escrito a palavra “pago”, em vermelho; desses que as lojas usam quando compramos uma mercadoria. As pessoas que foram fotografadas admitem e professam o sacrifício de Jesus de Nazaré por suas vidas, elas são pessoas que vivem essa realidade e o termo pago significa que elas foram compradas por Ele, foram restituídas, transformadas, aceitas e humanizadas.
Afinal de contas, todos nós  carregamos em nós um “pago”, mas pago pelo que? Quem ou o que tem nos comprado? Quantos hoje são como mercadorias compradas pelo materialismo, hedonismo,  pelo suborno em detrimento à justiça, etc. Qual é o preço de cada um de nós? Estes e outros possíveis questionamentos em torno de uma cultura materialista e individualista abraçam a reflexão deste trabalho que resgatei com imensa alegria. 


terça-feira, 25 de abril de 2017

Paetês, Bananas, Escamas, Coração...

          Sonhei que estava colando paetês em bananas. Soa estranho, como a maioria dos sonhos, é engraçado e ilógico; mas eu permaneci pensando sobre este sonho e não é tão ilógico assim. Elementos surrealistas são justaposições de objetos aparentemente sem sentido para nos ajudar entender  coisas  importantes na vida; só que a gente despreza o que é engraçado e aparentemente sem sentido porque não corresponde a nossa logica pragmática de organização diária. O bom de ser artista e os poetas também podem sentir a mesma gratidão, é que a gente dá importância a essas trivialidades, louquinhas de rir. A gente não dá de ombros, pois qualquer coisa é uma oportunidade pra encher o coração. E enche. Não vou falar  sobre o que eu compreendi sobre a metáfora da banana coberta de paetês; mas isso me leva a falar das motivações dos artistas e poetas fazer o que fazem, principalmente na arte que não é óbvia, que, como a um sonho esquisito, a gente dá de ombros porque não gostamos de perder tempo com essas coisas insignificantes, e assim vai.. e a gente vai perdendo a capacidade de ser sensível e fica parecido com o dragão Smaug, cheio de escamas duras, que não é atingido por nada, carregando toneladas de rigidez , mas até ele tinha um pedacinho na barriga , bem pequenino, que não havia escama, e quando a flecha o atingisse naquele lugar vulnerável ele morreria. Talvez seja isso, morrer, para viver e isso requer vulnerabilidade. O dragão não morre para viver, mas aquele era o ponto sensível dele.  Mas a gente deve morrer ( quem quiser, pois, salvar a sua vida perdê-la-á;  Marcos 8:35)deixar ser atingido naquele lugar que a gente mesmo faz questão de manter oculto. 
           Paulo, discípulo de Jesus, ficou cego quando o viu, mas quando voltou a enxergar disse que escamas caíram dos seus olhos, interessante essa metáfora; as escamas caem e a sensibilidade aparece, acontece uma mudança de mente, do olhar, a realidade muda e os olhos são curados, abertos para aquilo que ultrapassa os parâmetros desse mundo chato, desse sistema chato, que tem exigências chatas e medíocres para o sucesso. 
A arte e a poesia pode ser a passagem de ida à transcendência, mas não devem haver escamas, pois suas poltronas são de seda. 
          Gosto muito da obra ilustrada aqui, de Domingos Mazilli, um coração que leva algumas perolas costuradas. Essa obra me vem a cabeça todas as vezes que gando algum conhecimento de Deus. Quando estou orando pela manhã e tenho uma revelação na palavra, me sinto assim, como se uma perola fora acrescentada no meu coração, e assim Deus vai enchendo meu coração, uma pedra, duas, três... a cada vez que leio um texto e que vem um novo aprendizado. Estimo muito esta obra e a inspiração que esse artista teve, seja lá o que o levou a criar isto, seja lá o que ela significa, mas veio aos meus afetos trazendo um significado puro, que ilustra minha relação com Deus a cada iluminação do Espirito Santo. Poderia até usá-la para ilustrar Provérbios 3:1 " Filho meu, não te esqueças da minha lei, e o teu coração guarde os meus mandamentos." 
Talvez eu pudesse olhar para tal obra e sentir repulsa por só conseguir enxergar carne crua exposta e ainda desprezá-la porque  não é uma pintura realista e não corresponde ao meu entendimento do que é ou deixa de ser arte, porque ela desafia minha lógica e afetos.  
          Estou cada vez mais convicta de que as escamas são roupas das quais devemos nos despir, elas configuram o espirito da religiosidade, de se achar melhor e conhecedor de todas as formas, do desamor, do preconceito, dos julgamentos....

segunda-feira, 18 de julho de 2016

O que se dissolve, não permanece.



Na água quase nada permanece,  quase tudo dissolve, e o que não se dissolve é duro e levado pela correnteza.
Passo por diversos lugares, dissolvo nas experiências e vícios daqueles mundos, mas ali não permaneço. Num movimento de imersão, dissolução e emersão saio com o corpo nutrido.  O movimento da água me leva a outro lugar onde novamente me dissolvo;  incrustada de partículas amalgamadas  para  me  dissolver novamente, chegar e partir,  aglomerada por  partes que me integram e me ajudam a  ser.

   





A consistência fluida, ao contrario do que muitos pensam, pode ser talvez sinônimo de sabedoria e não de alienação. O rígido não se permite dissolver no outro para conhece- lo, teme as influencias da forma alheia. Talvez sua robustez seja casca, talvez seja ele tão frágil e ambíguo  quanto a estrutura do ouriço, que faz questão de exibir seus aguilhões. Ouriços não se dissolvem,  pele e escama sim, pois tem consistência leve, permite abstrações criando possibilidades  de pura beleza,  sempre volta a sua forma, porque nunca a perde. Os solidificados perdem sua forma pelo desgaste;  a água dissolve sempre;  a textura fluida sabe se dissolver sem perder um pedaço. A substância permanente nunca mais se recupera, porque subestima a força da água.  A força da água é invisível, mas persistente. A força do objeto sólido é visível mas imanente. O  sólido permanece e se perde, os fluidos se dissolvem. É melhor não permanecer. 



domingo, 22 de maio de 2016

Dentro d'água minha força fica fraca.



  A água é matéria que preenche o espaço entre mim e a possibilidade do deslocamento ao infinito.
Dentro d'água tudo é silencioso, nada tem pressa: os bichos se movem em ritmo constante, os corais se movimentam em obediência à corrente. Na água há reverencia e compensação harmônica.  Dentro d'água minha força fica fraca.


A água é matéria vital,  tão logo é utilizada na Palavra de Deus com significados tão evidentes. Jesus se comparou a rios de água viva quando se revelou a uma mulher que estava buscando água num poço ao meio dia. Na criação do mundo, o Espírito de Deus pairava sobre a face das águas. Na água temos os primeiros seres criados.
A água atua tanto como salvação quanto condenação: a mesma água se que se abriu para a salvação dos hebreus, serviu de condenação para o exército egípcio; sem falar dos dias de Noé e o dilúvio que condenara a Terra;  Jonas se encontrou dentro do estômago de um peixe, num ato de disciplina divina, no silêncio do mar; Jesus batizou nas águas; e repetimos esta ação sacramental purificadora; as águas do Jordão curaram o Rei Namã da lepra. Fica claro a admiração do próprio Deus por esta bela obra oriunda de suas mãos.




C. S.Lewis dizia que a contemplação da beleza em si não nos satisfaz completamente, queremos nos misturar com a beleza e não somente contemplá-la. Penso que essa ideia define bem a experiência com a água. Quem não fica admirado ao sentar na beira da praia ou na margem de um rio contemplando a água, a incidência da luz e seus movimentos, as nuances de cor refletidas pelo céu e da mata ciliar?
A água traz a possibilidade da experiência de se misturar com algum tipo de beleza. Não deve ser a toa a dificuldade de tirar as crianças de dentro da água. Crianças ficam imersas até os dedos enrugarem, até as bocas arroxearem; e eu confio nas crianças quanto ao seu tato pela beleza. Dificilmente vemos essa entrega nos corpos adultos, eles não se dão ao luxo de se fundir com o azul cristalino e perder o contorno entre o corpo e a água. Adultos perderam as razões para se entregarem a prazeres pueris.
 Mas Jesus nos encorajou a enxergar com as lentes das crianças para vermos beleza no mundo. 

Desde quando comecei a pintar gente dentro da água, muitas pessoas perguntavam o motivo do tema. Não sabia responder, pintava porque gostava, porque gosto de representar o efeito da luz refletindo na água e distorcendo a forma, porque gosto de turquesa e verde. ..... nunca me preocupei em teorizar e responder os porquês de um trabalho artístico.

 

Com o tempo fui compreendendo a necessidade da experiência com a beleza, como Lewis escrevia muito claramente;  em adentrá-la simplesmente porque isso reflete um anseio estrutural que habita em todo os homens. Fomos feitos por um Deus que é a beleza absoluta e que criou um mundo belo para habitarmos e desfrutarmos . Temos anseio pela beleza porque nos perdemos no caminho, mas a beleza nos chama de volta a todo tempo. E se seguirmos as setas deixadas no caminho chegaremos lá.
                                                         

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Arte, Beleza, Prazer e o Reino de Deus.


         Edouard Cortes, New Bridge, Paris , 1930.


 "Se me pergunto porque creio que Deus é bom, porque esse Ser Supremo não é mau, minha atenção vai rapidamente à sede pela beleza: A beleza do amor, a beleza da ordem, a beleza da alegria. Sei que essa sede de beleza está em mim e não consigo me livrar dela . É um desejo bom, que eu poderia negar mas nunca poderia eliminar. Se a beleza não tem fonte, não teria como explicar o meu desejo por ela. "

CRAAB, Larry .



“Não queremos simplesmente ver a beleza, embora, Deus saiba que mesmo isso já seja generosidade o bastante. Queremos algo mais que dificilmente pode ser traduzido em palavras- queremos ser uma só unidade com a beleza que contemplamos, nela penetrar, recebê-la em nosso ser, banhar-nos nela, fazer parte dela...Ninguém deve pensar que estou apresentando alguma fantasia pagã do tipo ser absorvido na natureza, confundir-se com ela. A natureza é mortal, nós continuaremos vivendo depois dela... Somos convidados a passar pela natureza, para além dela, para entrar no esplendor que ela ainda reflete de forma hesitante. E lá, além da natureza, comeremos da árvore da vida." 

C.S. Lewis



Não há sensação de prazer e bem estar que não venha de Deus.  O problema é querer produzir tais sensações por nós mesmos, a fim de que elas se tornem inesgotáveis. Ele mesmo colocou dentro de nós algo que responde bem ao prazer, pois Ele nos fez para sermos eternos e desfrutar Dele, que é a fonte absoluta de todos os prazeres e bem estar absoluto. O coração humano é dotado de uma busca incessante por coisas boas, agradáveis e belas O efeito drástico da queda impediu que o prazer fosse intermitente, pois escolhemos ter que alterná-lo com nuances de angustia existencial, auto-suficiência e arrogância.  Ao adquirir uma falsa habilidade para reverter às coisas, como usar folhas de figueira para remendar a falácia, tornamos viciados em produzir prazer, não dando conta que esse remendo implicaria em exigências egoístas jamais supridas. 
A impressão foi que o prazer ficou sutil, por ter que dividir seu espaço com o desconforto; pois quando ele vem, e por sabermos que logo passa, certamente queremos apreende-lo, mas o que presenciamos com certa angustia é ele vazando por entre os dedos; não queremos deixar aquilo ir embora, por isso tantos artifícios que simulam esta sensação por mais tempo, em casos mais graves, por todo tempo.
Os prazeres que experimentamos nesta terra são pequenas amostras do bem absoluto, que só podem ser encontrados para além da experiência.

Tratarei aqui de apenas um item pertencente a todo o conjunto de prazer e bem estar: A Beleza.
 A beleza é um tipo de prazer que entra pelos olhos e nutre um conjunto de exigências estruturais. A beleza que nossos olhos desfrutam não é um fim, mas um meio; coisas belas são setas que apontam para a fonte absoluta de toda beleza, são como pequenas amostras dadas. Não tardamos em querer tomar essas amostras como absolutas e possuí-las, numa árdua tarefa de manter esses prazeres diariamente. Mas a forma mais correta de se relacionar com eles é saber que vem de Deus, são coisas boas quais devemos desfrutar e agradecer, mas não podemos nos esquecer que são apenas setas, que o absoluto está guardado, e que um dia desfrutaremos alegres de toda fonte real da beleza, da verdade e do bem. 
A arte é uma forma de vislumbrar o belo absoluto, a plenitude da beleza. É tarefa do artista produzir estas setas, como caminhos que guiam as pessoas. Os artistas devem ser apontadores da verdade, do belo e do bem. 

Como eu disse antes, Deus colocou em nós essa pulsão para viver no belo, não deve ser à toa essa sensação de querer entrar num quadro cuja paisagem é agradável ou numa cena de um filme. Queremos entrar na obra de arte, porque quando vemos uma boa arte, que retrata um mundo desejável, temos desejo de permanecer por lá. 
 A arte moderna e contemporânea, as grandes instalações interativas e performances, especialmente, me parece uma tentativa de fazer uma morada dentro deste mundo fantástico, mas onde muitas vezes a beleza não está presente.  Neste ato, a experiência suprimiu a beleza e se tornou o foco. A experiência por ela mesma parece uma tentativa infantil de construir um lar perdido. O artista moderno tentou construir este lar, tentou fazer isso por si, pilhando tijolos de areia e esquecendo-se da fundação. Fizeram do meio um fim, do córrego o oceano, desfizeram suas malas no meio da estrada e ali permaneceram.
A arte quando tratada de maneira correta tem o poder de nos tornar mais plenos. Quando se construía um vitral numa catedral, ali estava inscrito uma história, não se fazia uma clarabóia apenas por sua função, mas se fazia para registrar algo que era considerado importante e deveria ser preservado. A arte fazia parte do cotidiano das pessoas tão naturalmente, que estava em cada detalhe de um edifício, em cada quina. As pinturas, esculturas e a música dentro das catedrais serviam como um meio de transporte, um vislumbre do que sugeria o indescritível Reino de Deus.  Esses elementos estéticos em sua combinação harmônica traziam sensibilidade para o espírito.


                                           Ron Mueck, Couple Under an Umbrella, 2013
                                          Geraldo Zamproni, Estrutura volátil, 2011.

A arte deve ser feita para proporcionar a esperança, de maneira que quando virarmos as costas para a obra, aquilo permanece no espírito. 
As experiências estéticas de interação apenas, não têm este poder, estão mais para o vicio da repetição do prazer momentâneo, quando não está fazendo o oposto, que consiste na agressividade que o artista impõe em sua obra e desconta no mundo suas angustias.  Essa arte não nos faz lembrar do que nos espera no futuro, quem somos e para que fomos feitos, elas não nos dão noticia de casa, porque se impõe como a própria casa. 
Para que o artista tenha uma percepção correta do significado da arte ele precisa estar ajustado com Deus e Sua vontade, porque ele será um anunciador de um novo reino, criando portais que nos lembrarão de uma promessa. E poderia este artista, que cria as setas que apontam para a eternidade desprezar a beleza na arte? Como ele anunciaria um mundo cuja ordem é impecável desdenhando a ordem do cosmo no qual ele habita?   
 Portanto, o artista que anda com Deus deve inscrever em sua obra todos os atributos que definem a realidade de uma vida de gratidão. Trata-se de encontrar critérios estéticos coerentes com a realidade experimentada dentro de um relacionamento com Deus.   O belo, a harmonia, o arranjo deve ser cuidadosamente composto para não haver nenhuma distorção moral.  Ele deve desenhar a fim de amar o outro, ele deve comunicar sua arte de forma clara, deve ter cuidado com os olhos de quem observa sua arte, deve ser coerente, pois, ele anuncia um mistério que é claramente revelado através da natureza. 

A arte contemporânea combina com a queda, pois ela suscita a comunicação truncada, o prazer sem beleza, os estímulos através dos sentidos, a irracionalidade, ela tem a pretensão da auto-suficiência, ela expressa esse prazer momentâneo como fim ultimo, ela não aponta para nada a não ser para ela mesma.  Aquela sensação de querer entrar num quadro, que reflete o nosso desejo de encontrar o lugar perfeito, foi resolvida pela arte contemporânea, porque ela arranjou um jeito de entrarmos nela.   Mas este lugar improvisado não passa de uma gambiarra, não passa da pretensão de velar a honestidade de reconhecimento de que não pertencemos a este mundo. A arte contemporânea é uma solução do mundo para reprimir a angustia existencial.
Uma observação bem simples: Por que filas tão extensas nos museus quando há uma exposição dos impressionistas e de artistas que comunicam sua arte com beleza? (Como foi o caso da recente exposição de Ron Mueck, onde as pessoas enfrentavam aproximadamente 3 horas de fila.).  E por que as exposições de arte moderna e contemporânea são tão vazias?
Como diz Chesterton: Um bom romance diz-nos a verdade sobre o seu herói; mas um mal romance diz-nos a verdade sobre o seu autor.