quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Arte, Beleza, Prazer e o Reino de Deus.


         Edouard Cortes, New Bridge, Paris , 1930.


 "Se me pergunto porque creio que Deus é bom, porque esse Ser Supremo não é mau, minha atenção vai rapidamente à sede pela beleza: A beleza do amor, a beleza da ordem, a beleza da alegria. Sei que essa sede de beleza está em mim e não consigo me livrar dela . É um desejo bom, que eu poderia negar mas nunca poderia eliminar. Se a beleza não tem fonte, não teria como explicar o meu desejo por ela. "

CRAAB, Larry .



“Não queremos simplesmente ver a beleza, embora, Deus saiba que mesmo isso já seja generosidade o bastante. Queremos algo mais que dificilmente pode ser traduzido em palavras- queremos ser uma só unidade com a beleza que contemplamos, nela penetrar, recebê-la em nosso ser, banhar-nos nela, fazer parte dela...Ninguém deve pensar que estou apresentando alguma fantasia pagã do tipo ser absorvido na natureza, confundir-se com ela. A natureza é mortal, nós continuaremos vivendo depois dela... Somos convidados a passar pela natureza, para além dela, para entrar no esplendor que ela ainda reflete de forma hesitante. E lá, além da natureza, comeremos da árvore da vida." 

C.S. Lewis



Não há sensação de prazer e bem estar que não venha de Deus.  O problema é querer produzir tais sensações por nós mesmos, a fim de que elas se tornem inesgotáveis. Ele mesmo colocou dentro de nós algo que responde bem ao prazer, pois Ele nos fez para sermos eternos e desfrutar Dele, que é a fonte absoluta de todos os prazeres e bem estar absoluto. O coração humano é dotado de uma busca incessante por coisas boas, agradáveis e belas O efeito drástico da queda impediu que o prazer fosse intermitente, pois escolhemos ter que alterná-lo com nuances de angustia existencial, auto-suficiência e arrogância.  Ao adquirir uma falsa habilidade para reverter às coisas, como usar folhas de figueira para remendar a falácia, tornamos viciados em produzir prazer, não dando conta que esse remendo implicaria em exigências egoístas jamais supridas. 
A impressão foi que o prazer ficou sutil, por ter que dividir seu espaço com o desconforto; pois quando ele vem, e por sabermos que logo passa, certamente queremos apreende-lo, mas o que presenciamos com certa angustia é ele vazando por entre os dedos; não queremos deixar aquilo ir embora, por isso tantos artifícios que simulam esta sensação por mais tempo, em casos mais graves, por todo tempo.
Os prazeres que experimentamos nesta terra são pequenas amostras do bem absoluto, que só podem ser encontrados para além da experiência.

Tratarei aqui de apenas um item pertencente a todo o conjunto de prazer e bem estar: A Beleza.
 A beleza é um tipo de prazer que entra pelos olhos e nutre um conjunto de exigências estruturais. A beleza que nossos olhos desfrutam não é um fim, mas um meio; coisas belas são setas que apontam para a fonte absoluta de toda beleza, são como pequenas amostras dadas. Não tardamos em querer tomar essas amostras como absolutas e possuí-las, numa árdua tarefa de manter esses prazeres diariamente. Mas a forma mais correta de se relacionar com eles é saber que vem de Deus, são coisas boas quais devemos desfrutar e agradecer, mas não podemos nos esquecer que são apenas setas, que o absoluto está guardado, e que um dia desfrutaremos alegres de toda fonte real da beleza, da verdade e do bem. 
A arte é uma forma de vislumbrar o belo absoluto, a plenitude da beleza. É tarefa do artista produzir estas setas, como caminhos que guiam as pessoas. Os artistas devem ser apontadores da verdade, do belo e do bem. 

Como eu disse antes, Deus colocou em nós essa pulsão para viver no belo, não deve ser à toa essa sensação de querer entrar num quadro cuja paisagem é agradável ou numa cena de um filme. Queremos entrar na obra de arte, porque quando vemos uma boa arte, que retrata um mundo desejável, temos desejo de permanecer por lá. 
 A arte moderna e contemporânea, as grandes instalações interativas e performances, especialmente, me parece uma tentativa de fazer uma morada dentro deste mundo fantástico, mas onde muitas vezes a beleza não está presente.  Neste ato, a experiência suprimiu a beleza e se tornou o foco. A experiência por ela mesma parece uma tentativa infantil de construir um lar perdido. O artista moderno tentou construir este lar, tentou fazer isso por si, pilhando tijolos de areia e esquecendo-se da fundação. Fizeram do meio um fim, do córrego o oceano, desfizeram suas malas no meio da estrada e ali permaneceram.
A arte quando tratada de maneira correta tem o poder de nos tornar mais plenos. Quando se construía um vitral numa catedral, ali estava inscrito uma história, não se fazia uma clarabóia apenas por sua função, mas se fazia para registrar algo que era considerado importante e deveria ser preservado. A arte fazia parte do cotidiano das pessoas tão naturalmente, que estava em cada detalhe de um edifício, em cada quina. As pinturas, esculturas e a música dentro das catedrais serviam como um meio de transporte, um vislumbre do que sugeria o indescritível Reino de Deus.  Esses elementos estéticos em sua combinação harmônica traziam sensibilidade para o espírito.


                                           Ron Mueck, Couple Under an Umbrella, 2013
                                          Geraldo Zamproni, Estrutura volátil, 2011.

A arte deve ser feita para proporcionar a esperança, de maneira que quando virarmos as costas para a obra, aquilo permanece no espírito. 
As experiências estéticas de interação apenas, não têm este poder, estão mais para o vicio da repetição do prazer momentâneo, quando não está fazendo o oposto, que consiste na agressividade que o artista impõe em sua obra e desconta no mundo suas angustias.  Essa arte não nos faz lembrar do que nos espera no futuro, quem somos e para que fomos feitos, elas não nos dão noticia de casa, porque se impõe como a própria casa. 
Para que o artista tenha uma percepção correta do significado da arte ele precisa estar ajustado com Deus e Sua vontade, porque ele será um anunciador de um novo reino, criando portais que nos lembrarão de uma promessa. E poderia este artista, que cria as setas que apontam para a eternidade desprezar a beleza na arte? Como ele anunciaria um mundo cuja ordem é impecável desdenhando a ordem do cosmo no qual ele habita?   
 Portanto, o artista que anda com Deus deve inscrever em sua obra todos os atributos que definem a realidade de uma vida de gratidão. Trata-se de encontrar critérios estéticos coerentes com a realidade experimentada dentro de um relacionamento com Deus.   O belo, a harmonia, o arranjo deve ser cuidadosamente composto para não haver nenhuma distorção moral.  Ele deve desenhar a fim de amar o outro, ele deve comunicar sua arte de forma clara, deve ter cuidado com os olhos de quem observa sua arte, deve ser coerente, pois, ele anuncia um mistério que é claramente revelado através da natureza. 

A arte contemporânea combina com a queda, pois ela suscita a comunicação truncada, o prazer sem beleza, os estímulos através dos sentidos, a irracionalidade, ela tem a pretensão da auto-suficiência, ela expressa esse prazer momentâneo como fim ultimo, ela não aponta para nada a não ser para ela mesma.  Aquela sensação de querer entrar num quadro, que reflete o nosso desejo de encontrar o lugar perfeito, foi resolvida pela arte contemporânea, porque ela arranjou um jeito de entrarmos nela.   Mas este lugar improvisado não passa de uma gambiarra, não passa da pretensão de velar a honestidade de reconhecimento de que não pertencemos a este mundo. A arte contemporânea é uma solução do mundo para reprimir a angustia existencial.
Uma observação bem simples: Por que filas tão extensas nos museus quando há uma exposição dos impressionistas e de artistas que comunicam sua arte com beleza? (Como foi o caso da recente exposição de Ron Mueck, onde as pessoas enfrentavam aproximadamente 3 horas de fila.).  E por que as exposições de arte moderna e contemporânea são tão vazias?
Como diz Chesterton: Um bom romance diz-nos a verdade sobre o seu herói; mas um mal romance diz-nos a verdade sobre o seu autor.